"É um escândalo", diz William Phillips, Prêmio Nobel de Física em 1997, "que a unidade de massa ainda seja um objeto físico". Com luvas de pano, Phillips mostra um peso metálico aos participantes da 26a Conferência Internacional de Física Atômica, em Barcelona. É uma réplica do Protótipo Internacional do Quilograma (IPK, na sigla em inglês), o cilindro de platina-irídio guardado a sete chaves em um porão de Paris, que define a unidade de massa do Sistema Internacional desde o século XIX. "Se eu sujar isso com minhas mãos, automaticamente todos vocês pesarão menos", explica diante das risadas do público. "Isso precisa ser consertado", acrescenta em tom sério.
Quando o IPK foi criado, com a ideia de homologar o
peso de um litro de água líquida, foram também criadas cópias de
referência internacionais, em teoria, idênticas. No entanto, ao tentar
calibrar novos pesos, observou-se que as massas dos diferentes padrões
do quilo, incluindo o original, variavam entre si em valores de pelo
menos 50 microgramas (milionésimos de grama). O material pode absorver
átomos do ambiente e perdê-los com a limpeza. Na ciência, esta
discrepância é "intolerável", diz Phillips, especialmente pelo fato de
que o quilograma é utilizado para definir outras três unidades básicas
do Sistema Internacional —a candela, o ampere e o mol— e 17 unidades
derivadas, tais como o joule e o newton.
A missão de "democratizar" o quilo
Phillips trabalha no Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST, na sigla em inglês), sediado nos Estados Unidos,
um dos centros de metrologia que participa da revisão do Sistema
Internacional de Unidades. A missão do NIST era encontrar uma nova
definição do quilo que não fosse apenas invariável, mas também
"democrática", ou seja, que estivesse ao alcance de qualquer laboratório
que quisesse calibrar um padrão. "Hoje, a única maneira de saber o
autêntico valor do quilo é ir ao Escritório Internacional de Pesos e
Medidas, na França, que apenas retirou o IPK de sua capa protetora
algumas vezes em dois séculos", protesta.
A inspiração veio finalmente do metro, outra unidade
básica que, em 1983, deixou de ser legalmente "o comprimento de uma
barra de platina em Paris" para ser "a distância percorrida pela luz em
1/299.792.458 segundos". Esta forma de fixar as unidades não é
intuitiva, já que primeiro requer definir o valor exato de uma constante
da natureza, à qual se impõe um valor numérico arbitrário com base nas
características do objeto físico do qual a ciência quer se desfazer. Com
o metro, os cientistas adotaram o protótipo homologado —a barra de
platina— para estudar sua relação com uma constante natural: a
velocidade da luz no vácuo. Sabendo exatamente que fração de um segundo a
luz leva para percorrer o comprimento da barra, estabeleceram
oficialmente a velocidade da luz em 299.792.458 metros por segundo.
"Uma constante que tem unidades não é natural",
Phillips explica ao EL PAÍS após a conferência. "O que é natural na
velocidade da luz é ser a mesma para todos os observadores e para todo o
espectro de luz, mas seu valor numérico depende do que tenhamos
decidido ser um metro e um segundo", diz. O importante é que, agora que o
valor da velocidade da luz está "decidido", a definição do metro nunca
mais dependerá do comprimento de um objeto físico; qualquer laboratório
com um relógio atômico pode medir a distância que os fótons percorrem
nessa fração de tempo e, assim, saberá o comprimento exato da barra de
platina no momento em que a definição do metro foi fixada. Mesmo se o
objeto for perdido ou deformado, o metro já é atemporal.
Para imortalizar o quilo, também é necessário definir
o valor numérico de uma constante natural. Os químicos escolheram o
número de Avogadro —que relaciona a quantidade de átomos ou moléculas
com a massa de uma amostra— e os físicos, a constante de Planck —que
relaciona a energia de um fóton com a frequência de sua onda—. Mais do
que competir, os dois métodos são complementares, já que o consenso tem
sido alcançar um nível de precisão que permita usar números fixos de
ambas as constantes para obter o mesmo valor numérico do quilo. Além
disso, a constante de Avogadro, que foi definida medindo a quantidade de
átomos em uma esfera perfeita de silício, também será usada para
redefinir o mol.
Definir as constantes da natureza
Quando Phillips chegou ao NIST, há cerca de
40 anos, seu trabalho se concentrava na medição precisa do ampere, a
unidade de corrente elétrica, para a qual se usava um dispositivo
chamado balança de corrente. Esta evoluiu para o que hoje é conhecido
como balança de Watt, um instrumento que equaciona a potência
eletromagnética (que depende de uma corrente) com a potência mecânica
(que depende de uma força, o peso). Primeiro, uma corrente conhecida é
aplicada. Calculado o peso correspondente na balança, é possível obter a
massa exata —um quilo—, uma vez que a aceleração da gravidade é
conhecida. "Percebemos que esse experimento poderia medir a constante de
Planck", lembra Phillips. A partir daí, redefinir o quilo era um passo
lógico, já que a constante de Planck é medida em uma combinação de
unidades que inclui a de massa. "Não estabelecemos que se tenha que usar
a balança de Watt ou a esfera de silício para medir o quilo. Apenas
definimos o valor da constante de Planck [e do número de Avogadro]",
explica Phillips. "No futuro, melhores métodos poderiam ser
desenvolvidos para que sejamos levados do valor da constante para o
valor do quilo. Isso é lindo, na minha opinião; é como as coisas devem
ser feitas", acrescenta.
Seguindo o mesmo raciocínio, os metrólogos desenvolveram métodos para
fixar a constante de Boltzmann, que definirá o kelvin, e a constante de
carga elementar, que dará a definição do ampere. As outras unidades
básicas —o segundo, o metro e a candela— já estão definidas por
constantes físicas. Em novembro deste ano, a Conferência Geral de Pesos e
Medidas será realizada em Versalhes para votar as mudanças propostas
para o Sistema Internacional. Depois de todo o trabalho, Phillips
confessa que espera que seja "apenas uma formalidade".
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Bruno Martín
Barcelona
El País
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