O professor norte-americano Thomas Trebat chegou ao Brasil em 2012, "no final da fase boa", segundo suas próprias palavras. "O Brasil parecia sair mais ou menos ileso da recessão mundial e estava a ponto de retomar um crescimento mais acelerado. Mas acabou virando um ambiente de fim de festa", diz o diretor do Columbia Global Centers no Rio de Janeiro, lembrando dos protestos de 2013, da eleição acirrada de 2014 e do desânimo que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Pergunta. Como você interpreta o resultado do primeiro turno da eleição brasileira?
Resposta. A voz do povo foi ouvida nas urnas. Obviamente foi um voto de repúdio contra a classe política de modo geral, contra partidos tradicionais.
Uma chamada quase que desesperada para uma mudança radical no rumo do
país. E essa voz não pode nem deve ser ignorada pelo Brasil e pelo
mundo, por um lado. Minha segunda impressão, que dificulta um pouco para
quem está olhando o Brasil pelo lado de fora, é que eu acho que esse
voto não é um endosso ou uma chancela dos eleitores sobre as posições
tão controvertidas, principalmente na área social, do candidato Jair
Bolsonaro. Não é que o país de repente virou um país de um banco de
malucos.
P. O que aconteceu?
R. Eles [os
eleitores de Bolsonaro] querem mudança. E a mudança que lhes foi
apresentada era voltar para um passado de que eles não gostam, com o
candidato Fernando Haddad, ou arriscar com um futuro muito imprevisível e
sem garantias. Essa foi aparentemente a opção. Temos de aguardar o
segundo turno, tudo pode acontecer nas próximas três semanas. Não estou
achando que é inevitável a vitória de Jair Bolsonaro, mas é o cenário
mais provável. A eleição para governador no Rio de Janeiro [com o apoio
de Bolsonaro, Wilson Wietzel surpreendeu indo para o segundo turno] mostra quão volátil é a opinião pública, quão à flor da pele estão as emoções do eleitor.
P. Como você interpreta esse comportamento?
R. Os
brasileiros estão muito desesperados com a situação econômica do
país —que eu acho que é um fator que deveria ser mais enfatizado—, e
eles atribuem a situação econômica em parte à corrupção dos partidos
políticos e dos políticos tradicionais. E veem como desdobramento da
situação econômica essa violência, que ocorre principalmente no Rio,
entre outros centros urbanos brasileiros, que sofrem com o medo da
violência.
P. Você acha que Bolsonaro, caso eleito, conseguirá dar uma resposta a esses incômodos?
R. Não vai ser
fácil. Quem vier no dia primeiro de janeiro... Meu ponto de vista é o
de um americano morando há muito tempo no Brasil, então eu vejo a partir
da experiência com [Donald] Trump. Um candidato completamente
despreparando, como é Jair Bolsonaro, sem programa e querendo mudar o
país da noite para o dia em áreas muito controvertidas, onde não há um
consenso democrático, no caso dos Estados Unidos.
P. O que o fenômeno Trump pode dizer sobre o fenômeno Bolsonaro, caso ele de fato seja eleito?
R. Trump caiu na realidade. Ele tem conseguido avançar em algumas iniciativas, mas o que os americanos chamam de deep state,
as nossas instituições de governo, a mídia, a sociedade civil, o
Congresso, todos atuam para manter o presidente Trump e suas ideias
controvertidas sob algum tipo de controle. Isso vai ser a experiência
interessante para o presidente Bolsonaro, caso eleito. Ele vai querer
entrar e, já no primeiro dia, preservar a família, parar com a violência
"metralhando", vai querer levar para a prisão todos os acusados de
corrupção, mas vai esbarrar em dois problemas. Primeiro, que há
instituições fortes no país, que vão exigir mais cautela. Segundo, ele
vai esbarrar no primeiro dia, ao descer a rampa do Palácio em Brasília,
com o fato de que o país tem de funcionar, e de que isso é
supercomplexo. É uma economia "complicadérrima", há um mundo lá fora
exigindo posições do Brasil, regiões em conflito, indústrias ameaçadas
pelos seus planos econômicos, a Previdência Social... Nada disso vai
funcionar, todos esses problemas vão ocupar as energias do presidente
desde o início.
P. E qual lhe parece que seria a reação dele em relação a isso?
R. Haverá
naturalmente uma certa moderação nas posições dele, um certo
fortalecimento das instituições brasileiras, que não são tão fracas
quanto a gente pensa. Acho que ele vai cair na realidade. Por último, o fundamentalismo do mercado pregado pelo assessor econômico,
Paulo Guedes, tem sido tentado no Brasil e na América Latina e não tem
dado resultado. Vai gerar muitos conflitos. Privatizar empresas do
Estado, cortar gastos na área social, a reformar a Previdência por meio
de um sistema privado de capitalização, que é a proposta... Acho que nem
o candidato acredita nesse fundamentalismo do mercado. E, quanto ao
mercado financeiro global, é melhor não ficar iludido, achando que vêm
por aí soluções milagrosas.
P. Você enxerga possibilidade de reversão das expectativas e de eleição de Haddad?
R. É interessante pensar que ninguém está cogitando essa possibilidade, mas é possível. Há um movimento de unir forças anti-Bolsonaro. Como um político falou nos jornais, e falou certo, se no primeiro turno Haddad era Lula,
no segundo turno Haddad tem de ser Haddad. Tem de ser pragmático —não
vai ser carismático—, tem de se distanciar um pouco do Lula, do PT, tem
que forjar um consenso novo com parte do PSDB, certamente com o partido
de Ciro Gomes [PDT] e outras forças anti-Bolsonaro, uma grande união de
forças. Mas será que isso é uma missão possível? Mudar a imagem de uma
pessoa de boa índole, que é o Fernando Haddad, que se ofereceu para
preencher um vazio político de última hora... Mas será que ele quer
mesmo fazer o sacrifício, assumir uma outra aliança política que não a
do Partido dos Trabalhadores, que caiu no descrédito nesta eleição?
P. Não é muito complicado mudar de forma tão brusca uma campanha no meio do caminho?
R. Talvez o
partido ache que os eleitores estão dizendo para o PT se retirar, para
repensar seu programa, suas ideias, ficar um tempo longe do poder. Será
que Haddad vai ter a capacidade política e retórica de se distanciar aos
olhos dos eleitores? Não sei, mas isso é o caminho que ele tem de
trilhar, tem de mostrar outro tipo de candidato, encabeçando uma
coalizão de forças e disposto a negociar demandas, promessas e programas
para incorporar outras correntes de opinião, nas forças do centro, até a
centro direita. Os eleitores ficaram sem opção. Na cabeça das pessoas
com as quais eu converso, a eleição foi entre [o líder fascista italiano
Benito] Mussolini por um lado e [o presidente venezuelano Nicolás]
Maduro por outro lado. Não é o que eu acho, mas está na mente do
eleitores. Tem um vasto campo para ser ocupado no meio e três semanas
para tentar levar esses argumentos aos eleitores. Acho que o apoio a
Bolsonaro não é tão forte quanto parece. Com o passar do tempo, com a
reação no resto do mundo, tem margem para Haddad pegar votos do centro e
ele tem margem para diminuir a força do adversário. Dito tudo isso, se
tivesse que apostar, eu apostaria no candidato Bolsonaro.
P. Você
mencionou Trump enquanto parâmetro para um possível Governo Bolsonaro.
Como a eleição do deputado do PSL posicionaria o país no contexto
internacional?
R. Esse fenômeno no Brasil está sendo classificado como um tipo de [o presidente Rodrigo] Duterte, nas Filipinas,
[Recep Tayyip] Erdogan, na Turquia, [Viktor] Orban, na Hungria, e
certamente Trump, nos Estados Unidos. Acho que seria ingênuo pensar que
isso não teve nenhuma influência sobre o Brasil. O mundo está sujeito a
populismos e a promessas de soluções fáceis de líderes fortes, o que dá
mais peso a esses líderes do que à democracia. Acho um grande perigo,
não há como subestimar. Qual o povo que optaria por isso? Um povo que se
acha sem opção, disposto a tentar a sorte. Nos Estados Unidos, eu acho
que Trump ainda consegue ser uma ameaça maior, porque o poderio dos
Estados Unidos afeta o mundo inteiro. No Brasil, o impacto do populismo
de extrema direita é mais restrito, mas não deixa de ser um desfecho
muito triste se for o caso. Se o Brasil for para um autoritarismo, uma
polarização pior ainda, um desprezo pelos direitos civis e humanos...
Isso é o medo daquele 53% da população brasileira que não votou em
Bolsonaro. Medos que poderão ou não se realizar.
P. Qual seria o melhor cenário para um Governo Bolsonaro?
R. A única
coisa que, na minha cabeça, faz sentido é que, se ele for eleito, tem de
moderar seu posicionamento social e prezar pelo lado econômico.
Obviamente o mercado financeiro e os donos do poder econômico estão
satisfeitos. Ele não era seu candidato inicialmente,
mas eles acham que a economia deve melhorar. No melhor dos casos, após
certo período de experimentos e radicalismo retórico, ele vai cair na
realidade, tocar a economia e gerar empregos. Posso estar sendo muito
otimista, mas é uma possibilidade. Como no caso de Trump. Suas ideias
mais radicais estão sendo bloqueadas. Ele fala coisas que deixam mais da
metade da população furiosa, mas a economia está indo bem e as instituições democráticas também, assim com os filtros, os checks
institucionais. O melhor cenário que poderia haver é um futuro Governo
Bolsonaro tendo certas reformas econômicas dentro de uma economia que
coopera, à base de confiança dos investidores. Isso seria um cenário de
apelo para todo o mundo. Poderíamos ter outros governos, a partir disso,
que continuariam nesse trilho de reformas econômicas, com segurança
para o investidor e com geração de empregos. Estou sendo otimista, não
quero nem pensar no que poderia ser pior, como sair mandando matar
pessoas, como Duterte, ou prendendo opositores ou fechando a mídia. Se a
economia continuar mancando, sem crescimento mais vigoroso, essa
polarização pode até piorar e podem surgir alternativas ainda mais duras
de ambos os extremos.
Rodolfo Borges
SP
El País
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