Completados oito meses de mandato do presidente Jair Bolsonaro, a relação entre seu governo e o Congresso Nacional continua marcada pela incerteza. Com poucas indicações partidárias, o presidente abriu mão de organizar uma maioria governista no Legislativo e tem apostado na coincidência entre sua agenda econômica e aquela defendida pela maioria dos parlamentares, como no caso da reforma da Previdência, ao longo do primeiro semestre. Há indícios, contudo, de que a mesma coincidência não se dará em outros temas.
Decretos executivos são instrumentos normativos de que
dispõe a Presidência da República e que não precisam de aprovação do
Legislativo, servindo para regulamentar leis e dispor sobre a
organização da administração pública. Recorrer a decretos é estratégia
frequente de governos que almejam maior autonomia em relação às maiorias
congressuais. Por sua vez, os Projetos de Decretos Legislativos podem
sustar esses atos normativos do Executivo e indicar, assim, tensão entre
os dois poderes.
Nosso levantamento traz pistas
importantes sobre o tema. A primeira delas é o número consideravelmente
superior de decretos executivos no início de governo Bolsonaro, 323, em
comparação a Lula, 253, e Dilma, 131, no mesmo período de seus primeiros
mandatos. É possível, entretanto, que esse número elevado decorra de
mudanças de natureza regulatória promovidas por um governo com programa
radicalmente distinto daqueles de seus antecessores. Em 2003, primeiro
ano do mandato petista, o número de decretos também foi elevado. Ainda
assim, é importante frisar que Bolsonaro editou 27% mais decretos do que
Lula no mesmo período.
Ao
observar quantos desses decretos foram questionados por Projetos de
Decretos Legislativos, identificamos que, nos primeiros mandatos, foram
alvos de PDLs apenas dois decretos de Lula e nenhum de Dilma, enquanto
32 decretos de Bolsonaro foram questionados por deputados.
Vale
lembrar que esses projetos precisam ser aprovados pelo Congresso por
maioria simples para que sejam transformados efetivamente em decretos
legislativos. Apenas dois decretos executivos de Bolsonaro foram
derrubados ou revogados por conta do Legislativo: o que modifica a regulamentação do porte de armas no Brasil (rejeitado pelo Senado) e outro que altera a regulamentação da Lei de Acesso à Informação
(rejeitado pela Câmara). Os dois não chegaram a ser suspensos pelo
Congresso, pois o poder executivo os revogou ou modificou antes que sua
tramitação fosse totalmente concluída, dada a iminência da derrota no
parlamento.
O recurso a PDLs como estratégia para
oferecer resistência ao Planalto foi muito mais frequente em 2019 do que
nos meses inaugurais dos primeiros mandatos dos presidentes petistas. A
quantidade de projetos dessa natureza com a finalidade de sustar
decretos do Executivo é de 134 no primeiro ano de Bolsonaro, contra nove
de Lula e nenhum de Dilma, novamente no mesmo período de seus primeiros mandatos.
O
número de PDLs com finalidade de sustar decretos executivos (134) é
maior que o número de decretos executivos questionados (32). Isso porque
um mesmo decreto executivo pode ser alvo de PDLs de diversos
parlamentares. Foi o que aconteceu com o Decreto 9785, que versava sobre
o porte de armas e recebeu 20 PDLs de autoria diversa. Contudo, quase
sempre esses PDLs são protocolados por deputados da oposição. No caso de
Lula, cinco foram de autoria dos principais partidos oposicionistas,
PSDB e PFL, enquanto apenas um foi de um partido que participou do leque
de alianças do primeiro ano de governo petista, o PDT. Os demais
tiveram origem em partidos que eventualmente ingressaram na base
governista, como PPB e PMDB, mas que até então não o haviam feito. Já no
governo Bolsonaro, 129 dos 134 PDLs que propõem sustar decretos
executivos têm origem na oposição.
Observamos que o
recurso a PDLs parece ser uma estratégia empregada pela oposição, e que o
ímpeto para interferir na gestão do Executivo é significativamente
maior em 2019 do que em situações análogas no passado (Lula em 2003 e
Dilma em 2011). Ainda assim, é raro que essas iniciativas encontrem o
respaldo da maioria dos parlamentares. Isto é, o Legislativo mostra de
fato pouca disposição para interferir nesse âmbito de atuação do
Executivo.
Contudo, o exemplo dos dois decretos
revogados, que versavam sobre temas importantes para a pauta política do
governo Bolsonaro, mostra que esse caminho pode ser trilhado com
sucesso e é certamente uma opção caso se forme uma maioria no Congresso
insatisfeita com as diretrizes do Planalto.
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