A crise ambiental na Amazônia provocada pelo aumento expressivo das queimadas na região e a reação pouco incisiva do presidente Jair Bolsonaro para conter o problema tem colocado o Brasil sob os holofotes na defesa ambiental internacional. O presidente, que já vinha sendo cobrado por líderes internacionais e mesmo pelo mercado financeiro sobre a questão, agora vê essa pressão chegar às ruas.
"Se
você não mudar, não vai dar pra respirar”, entoavam estudantes
secundaristas na avenida Paulista, que recebeu a marcha mundial pelo
clima na tarde desta sexta. Na capital paulista, estudantes, ativistas,
indígenas, militantes partidários e até crianças se reuniram na
tentativa de chamar a atenção do Governo e da sociedade por ações
concretas contra o aquecimento global. Pediram a saída do ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles,
criticaram Bolsonaro e aproveitaram para reclamar também sobre os
recentes cortes na educação. O foco, entretanto, era mesmo a Amazônia.
“Ei, você aí, sem Amazônia não tem açaí”, entoavam os manifestantes, em
ironia a uma das grandes fixações paulistanas. A boliviana Olga Flores,
por exemplo, pedia união da América Latina para conter os incêndios na
floresta e criticava a política ambiental do presidente de seu país, Evo Morales. “Peço que nos apoiem também contra os incêndios na Bolívia”, dizia ela, no palanque.
Ará
Mirim, da etnia Guarani, foi do Jaraguá (na zona norte) à Paulista com
um grupo de indígenas para participar do ato, em um momento em que o
Governo afirma que não demarcará mais terras indígenas. Ela diz que a
manifestação pelo clima é importante para conscientizar as pessoas da
importância de preservar as florestas, mas pondera que o ato precisa
estimular ações concretas tanto dos governantes quanto da sociedade.
“Todos temos que agir pra regenerar a terra. Nós, indígenas, fazemos
isso por todo o planeta. Não precisamos de terra para fazer nossa casa,
mas para comer e cuidar dela”, diz.
Por volta das 16h, famílias inteiras se aglomeravam no vão livre do MASP. Na concentração do ato, faziam oficinas de cartazes.
“O clima está mudando, mas e você?”, questionava um deles. “+ Amazônia -
Ruralistas”, dizia outro. As mensagens tentavam alertar para espécies
em extinção, defendiam a necessidade de preservar o planeta e até os
dados ambientais, muitas vezes criticados pelo Governo durante este ano.
A professora Diambas Franzem levou o filho e o marido porque entende
que atos como este são uma oportunidade de fortalecer os movimentos
sociais nas ruas. “Essa pauta deveria ser uma luta da esquerda e da
direita”, defendeu.

Fumaça preta
No
dia anterior às manifestações, São Paulo e outras cidades das regiões
Sul e Sudeste foram encobertas, novamente, pela fumaça de queimadas
trazidas pelos ventos úmidos da Amazônia. Imagens de satélite do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a fumaça
que encobriu cidades dos Estados de São Paulo e do Paraná haviam se
deslocado tanto de Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul quanto da Bolívia
e do Paraguai. O encontro dessa fumaça com uma frente fria tem causado
chuvas no Sul e no Sudeste. No mês de agosto, a cidade de São Paulo já
havia sofrido impactos das queimadas, quando a cidade escureceu no meio da tarde por conta da fumaça vinda do Norte e do Centro-Oeste.
Os protestos para deter o aquecimento global acontecem às vésperas da Cúpula do Clima
de Nova Iorque, um encontro internacional contra o aquecimento global,
que não terá o discurso de um representante do Brasil. A Organização das
Nações Unidas (ONU) havia solicitado aos países que apresentassem um
plano com seus compromissos climáticos e selecionou os 63 que tinham os
discursos mais inspiradores. A proposta do Brasil, que tinha interesse
em falar na reunião, foi vetada. O presidente Jair Bolsonaro,
no entanto, confirmou que participará da Assembleia da Organização das
Nações Unidas (ONU), na próxima terça-feira, um dia depois da Cúpula do
Clima. Lá, ele fará um discurso centralizado em críticas aos regimes
políticos da Venezuela e de Cuba, mas diz que também dará uma resposta
às recentes declarações do presidente francês Emmanuel Macron
de que o debate sobre a internacionalização da floresta amazônica
estava "em aberto". Bolsonaro defenderá a soberania do Brasil sobre a
Amazônia.
As posturas do presidente sobre a questão
ambiental têm gerado fortes pressões internacionais sobre Bolsonaro. O
presidente assumiu o mandato prometendo não demarcar mais nenhum
centímetro de terra indígena e defendendo a exploração de minérios na
Amazônia. Se por um lado seu Governo vem desidratando a fiscalização da
região, Bolsonaro colocou ainda mais combustível na crise com
declarações nas quais minimiza a mudança climática e o desmatamento ilegal.
O Brasil registrou entre janeiro e a terceira semana de agosto um total
de 71.497 focos de incêndio, o maior número do mesmo período nos
últimos sete anos, e pouco mais da metade ocorreu na maior floresta
tropical do mundo.
Tudo isso acontece em um contexto em
que a responsabilidade ambiental, social e de governança (conhecida sob a
sigla em inglês ESG) tem se tornado um critério crescente nas carteiras
de fundos de investimento em todo o mundo. A reação do mercado
financeiro à crise amazônica veio forte. Neste mês, empresas como H&M, VFcorp, Vans e The North Face
anunciaram que deixariam de comprar couro brasileiro até que o país
apresentasse um plano crível de que esse material não contribuía para o
desmatamento da Amazônia.
A resposta mais dura, porém, aconteceu nesta semana: na última quarta-feira, um total de 230 fundos de investimento internacionais publicaram um manifesto, colocando mais pressão para que o Governo brasileiro apresente medidas efetivas para proteger a floresta amazônica e deter o desmatamento.
Juntos, esses fundos administram 16 trilhões de dólares (cerca de 65
trilhões de reais), um valor equivalente a cerca de nove vezes o PIB do
Brasil referente a 2018.
conteúdo
Beatriz Jucá
São Paulo
El País
Nenhum comentário:
Postar um comentário