Enquanto o PT continua com seu slogan “Lula livre”, e vai conseguir, a extrema direita sonha em ver Dilma na prisão. Dizem que seria o sonho do presidente Jair Bolsonaro. Nesse caso, deveria ser um sonho “proibido”, já que até os sentimentos mais sombrios devem ser controlados quando assomam à janela da nossa consciência. Devemos proibi-los para nós mesmos.
Ninguém, naquela noite de bruxas no Congresso, quando a maioria dos congressistas votou para que Dilma perdesse a Presidência da República,
poderia imaginar que, em um dia não muito distante, Bolsonaro −
entusiasta da ditadura militar e exaltador de Ustra, um dos mais cruéis
torturadores daqueles anos de terror − se sentaria na cadeira
presidencial da qual a ex-guerrilheira tinha sido removida. Hoje o
exaltador de torturadores tem em suas mãos um poder que não tinha
naquela ocasião, e poderia aproveitá-lo para consumar seu sonho.
Não
que Bolsonaro seja promotor, policial ou juiz para intervir em um
possível processo contra Dilma por corrupção, mas até as moscas sabem
que a influência de um presidente sobre aqueles que julgam e sentenciam
não é pequena. Sergio Moro,
seu discutido ministro da Justiça, que conhece como poucos os caminhos e
meandros para formalizar uma sentença, poderia ajudá-lo. Não acredito,
no entanto, por mais que ele tenha sido capaz de abraçar a causa
punitivista do bolsonarismo, que o ex-juiz da Lava Jato que condenou
Lula possa prestar-se hoje a algo assim. E o indicado para ser o novo
procurador-geral da República, Augusto Aras, escolhido a dedo pelo presidente Bolsonaro ou talvez por seus filhos?
A
questão da possibilidade de que Dilma possa acabar nas garras da Lava
Jato, principalmente depois das delações daquele que foi seu ministro
mais próximo e poderoso, Antonio Palocci, não é algo fútil ou uma mera
loucura bolsonarista. Basta pensar que na quarta-feira a Folha de S. Paulo,
nada propensa a uma condenação de Dilma, dedicou uma reportagem de mais
de mil palavras a esse assunto, com uma séria de fotos e o seguinte
título: “Investigações da Lava Jato miram campanhas e núcleo de
confiança de Dilma”. O jornal informa que embora ainda não tenha sido
adotada nenhuma ação concreta contra ela, a ex-presidenta Dilma “está no
centro das atenções dos trabalhos mais recentes da Lava Jato”.
A Folha
destaca que as últimas denúncias de Palocci, “único petista importante a
assinar acordo de delação premiada com a Lava Jato”, apontam nessa
direção, ou seja, a dos possíveis atos de corrupção ocorridos nas duas
campanhas eleitorais de Dilma. E o jornal assinala que esta foi a
primeira vez que a polícia fez buscas e coleta de documentos na casa da
ex-presidenta da Petrobras e amiga dela Graça Foster, escolhida por
Dilma no momento delicado em que começavam a surgir os primeiros
escândalos e as primeiras condenações pelo chamado “petrolão”. Foster
sabia ou não sabia?
E Dilma foi a primeira pessoa que viu
em uma das fases mais recentes da Lava Jato, chamada de Pentiti
(“arrependidos” em italiano) um perigo para ela, já que veio a público
indignada com as duras declarações de Palocci e com o movimento
tectônico que parece ter sido iniciado contra ela. Dilma respondeu desta
vez com inusitada dureza às acusações de seu ex-ministro,
qualificando-as de “mentirosas e infames”. Em uma nota de sua
assessoria, Dilma declara, com visível indignação, que é curioso que a
ofensiva da Lava Jato contra ela “ocorra no momento em que procuradores
da República e o ex-juiz Sergio Moro estão sob suspeita, desmascarados pelo The Intercept Brasil”.
Uma
das coisas que mais devem ter ferido os sentimentos da ex-presidenta
foram, sem dúvida, as insinuações que Palocci fez sobre supostas queixas
de Lula por Dilma não ter conseguido, na época, frear as investidas da
Lava Jato e evitar que chegassem a ele e o enfraquecessem. Assim seria
mais fácil para ela tentar a reeleição. Acusações sem provas que ela
qualifica, com razão, de “infâmia”.
É verdade que ninguém
poderia imaginar que o popular ex-presidente Lula pudesse acabar na
prisão e permanecer tanto tempo lá − já está preso há um ano e meio,
apesar da miríade de advogados que o assistem e de inúmeras
manifestações de apoio dentro e fora do país para sua libertação. Mas
parece ainda mais improvável a possibilidade de que seja condenada uma
mulher que todos sabem que não enriqueceu na presidência e que carrega
em seus ombros o peso da juventude, vendo que aqueles que hoje parecem
mandar no país são os herdeiros sentimentais de quem torturou seu corpo e
ofendeu sua dignidade por um único pecado, sua ideologia.
Ninguém
sabe como acabará a aventura de extrema direita, com indícios
ditatoriais, de pessoas que já ameaçaram expulsar do país quem não pensa
como elas e que lamentam ter se conformado em torturar os resistentes
em vez de simplesmente matá-los. Poucas coisas, no entanto, tornariam
mais sombrio seu poder de hoje do que usá-lo para uma mísera vingança,
empurrando as investigações até conseguir ver a antiga guerrilheira
imersa na vergonha de ser presa por corrupção.
Ninguém
pede que Dilma seja tratada com uma bondade especial por seu passado, e
também não seria justo esconder, se existirem, suas culpas de hoje.
Seria, no entanto, uma baixeza utilizar estratagemas pouco republicanos
para forçar sua condenação só pelo deleite de uma vingança tardia.
Esta coluna sempre foi prudente ao analisar o impeachment
de Dilma. São páginas da história que só poderão ser examinadas sem o
calor da paixão política do momento. Mas há uma coisa que sempre
destaquei e elogiei em Dilma: sua defesa da liberdade de expressão desde
seu primeiro discurso de posse, algo que ela continuou repetindo até o
final. Dilma repetiu várias vezes: “Prefiro o barulho da imprensa livre
ao silêncio da ditadura”. Hoje, ao contrário, vemos como o poder, que
gostaria de vê-la na prisão, preferiria o silêncio da informação ao
barulho da verdade.
A democracia do Brasil já atravessou
em pouco tempo uma série de tragédias políticas que vão esfriando e
envenenando a convivência civil. Que Bolsonaro, que tem agora em suas
mãos o poder, esqueça seu sonho proibido de querer ver Dilma na prisão.
Ela não deve ser considerada nem mártir nem vítima, devem ser
respeitados os sinais que ainda carrega em sua carne e em sua alma,
sinais da época em que o Brasil sucumbiu às tentações da crueldade
contra os direitos à própria vida e à integridade do próprio corpo.
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Juan Arias
El País
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