Ficaram muito distantes os tempos em que o agora ministro da Justiça do Governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sérgio Moro, era o duro fustigador dos políticos corruptos. Agora mais parece ser o advogado de defesa do presidente e de seu clã familiar. Quem parecia ser capaz de ver até pelo no ovo dos políticos, sobretudo os de esquerda, agora se apresenta como o máximo garantidor da honradez da família real e do Governo.
Moro parece ter aceitado não somente sua posição na
hierarquia dentro do Governo, sendo um a mais, mas também oferecido tal
vassalagem a seu chefe Bolsonaro. Se até então o presidente tinha como
pitbull seu filho irrequieto Carlos, agitador das redes sociais
em defesa do pai, agora a ele se juntou o ex-juiz da Lava Jato, que
ainda mantém fortes laços de amizade com os comandos da Polícia Federal e
a Procuradoria do Estado.
Apesar de os analistas políticos terem especulado que Moro
não aguentaria por muito tempo o cargo de ministro da Justiça e que
poderia sair batendo a porta, ante as humilhações que o presidente lhe
ia impondo gota a gota, mais parece o contrário. É Moro quem demonstra
estar à vontade com o mito Bolsonaro e sua tropa exacerbada que
pretende, sempre em luta contra a modernidade, até mudar a Constituição,
pois, segundo eles, a atual é "laica e socialista".
Moro nestes meses está acumulando declarações de amor a
Bolsonaro e a seu movimento extremista. Seria possível dizer que não
sabe o que fazer para que acreditem que, além de não pretender abandonar
o Governo, suas relações com o presidente não poderiam ser melhores. E
ele sai em sua defesa nos momentos de dificuldade, sobretudo quando o
presidente, seu partido ou a própria família começam a aparecer
salpicados de corrupção. Para Moro não parecem existir nunca
irregularidades ou pecados em torno de Bolsonaro. Não é que o
justifique, é que desmente e até dá a entender que possui informações
reservadas para poder afirmar que é assim. Isso já não seria ilegal, se
fosse verdade?
Cada vez mais, Moro e Bolsonaro fazem galanteios mútuos. O presidente chegou a dizer em seu discurso na ONU
que Moro, seu ministro da Justiça, era "um herói nacional". E não se
trata apenas de que a relação entre o ministro e o presidente parece sem
conflitos, mas que Moro está cada vez mais assimilando as essências
autoritárias do bolsonarismo, como aparecem nos documentos que preparou
em seu ministério contra a violência. Neles, Moro parece um fiel
discípulo da concepção bolsonariana de combater a violência com mais
violência. Diz e repete nas entrevistas que, em 2022, se Bolsonaro se
candidatar à reeleição, e faltam mais de três anos, seu voto será para
ele e que não irá se mudar para nenhum outro partido. Ele se sente à
vontade no bolsonarismo e em sua carga de extremismos e de luta contra a
modernidade em busca de velhas essências medievais em todos os campos
do saber, da ciência, da arte e da cultura.
Tamanha é a identificação de Moro com Bolsonaro que até o jornal Folha de S.Paulo
foi criticado por uma publicação em que relata que dinheiro ilegal
poderia ter sido usado na campanha de Bolsonaro, segundo informações
obtidas da Polícia Federal. E é conhecida a dificuldade que o presidente
de extrema direita encontra em dialogar com os meios de comunicação que
não comungam de suas ideias. O ministro chegou a afirmar, sem que
ninguém lhe perguntasse, que Bolsonaro "fez a campanha eleitoral mais
barata da história", tentando responder à imprensa.
Moro, neste caso, parece ter se esquecido que boa parte da imagem de que desfrutava até internacionalmente quando era juiz da Lava Jato
se deve aos meios de comunicação que sempre o protegiam. Essa
identificação cada vez mais estreita de Moro com Bolsonaro parece, ao
mesmo tempo, não ter volta atrás, já que Moro, que pode ser acusado de
muitos erros, mas não de ser ingênuo e sem perspicácia, sabe muito bem
que nos outros campos da política, nas demais instituições do Estado,
sua imagem, embora ainda com grande força popular, está se deteriorando
rapidamente.
Neste momento Moro não poderia contar, se se divorciasse de
Bolsonaro, nem com a maioria dos partidos nem com o Congresso, e menos
ainda com o Supremo Tribunal Federal,
do qual desejaria fazer parte. Uma das críticas mais duras feitas nos
últimos dias a Moro foi a do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que chegou a denunciar que o ex-juiz tem a estratégia permanente de tentar “acuar as instituições democráticas”.
Portas políticas e institucionais se fecham todos os dias
ao ministro Moro, enquanto ele parece se identificar cada vez mais com
as essências autoritárias do bolsonarismo, que começou com o objetivo de
poder governar, a golpe de decreto, encurralando o Congresso e o
Supremo. Não está conseguindo. Nunca um presidente tinha tido rejeitados
pelo Congresso tantos decretos ou vetos como ele. Desesperado,
Bolsonaro agora chega a fazer a corte às tais instituições que pretendia
domar com a força. Acabou de afirmar que está pensando em "casar-se com
Maia", usando seu tópico sexual da paixão para explicar suas relações
com o poder.
O pior para Moro parece ser que não tem volta atrás e agora
só consegue respirar politicamente por meio de seu pacto de sangue com o
bolsonarismo. Do outro lado da política já ardem, de fato, as
conversações para a criação de um polo de centro democrático que
apresentaria um candidato alternativo a Bolsonaro, no caso de algum
infortúnio político ou pessoal o levar a abandonar o cargo ou se pensar
em se candidatar de novo. O grande bloco democrático que é a maioria do
Congresso já está unido na busca de uma saída ao bolsonarismo para
acabar com essa tempestade autoritária e de extrema-direita que tomou
conta do Brasil. E espera-se que a esquerda, se desta vez for capaz de
unir forças, entre no mesmo barco.
Sem saída, então, para Moro, o novo bolsonariano doutor de
peso no Governo? A política é sempre uma incógnita, embora no momento
tudo leve a crer que ambos querem ser rei. Bolsonaro continua sendo,
porém, com o poder na mão, o verdadeiro rei, e Moro, só um de seus
peões. Por mais paradoxal que possa parecer, o ministro que até ontem
era o rei da Lava Jato em Curitiba, com passagem por Harvard, cuja mão
não tremeu ao condenar políticos e empresários de calibre, agora se
entrega como aprendiz político de alguém que até chegar ao poder era
apenas um capitão reformado e expulso do Exército, com uma presença
insignificante no Congresso em 30 anos de deputado. Ele mesmo confessa
que "nunca imaginou chegar à Presidência".
É possível que o astuto e nada ingênuo ex-juiz Moro não
tivesse previsto esse panorama? Ou será que o jogo será outro? Será
verdade, como às vezes se sussurra em Brasília, que Moro guarda em seus
cofres algo que ainda possa lhe servir politicamente?
O filósofo e cientista francês Pascal, precursor do que seria o
existencialismo angustiante do século XX, tornou célebre sua frase "o
coração tem razões que a razão desconhece". Aqui poderia ser o oposto:
que o excesso da fria razão chega a se esquecer das exigências do
coração. Pascal duvidava da capacidade do ser humano de entender a si
mesmo. Dizia que é a liberdade de escolher o que nos distingue dos
animais. Essa capacidade de escolha pode, no entanto, obnubilar-se
quando o ser humano prefere os riscos e prazeres do poder ao bem de toda
a comunidade.conteúdo
Juan Arias
El País
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