No próximo dia 20, os 11 ministros do STF devem julgar se o antigo Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), renomeado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF), necessita de autorização judicial para obter informações de movimentações bancárias de investigados assim como de pessoas politicamente expostas – entre elas, algumas com mandatos públicos, ministros de Estado, membros do Ministério Público, do Judiciário.
Nesse ínterim, em silêncio, está o clã Bolsonaro.
Acostumados a agir na ofensiva nas redes sociais, tanto o
mandatário quanto seus três filhos políticos quase nada falam sobre as
decisões judiciais do STF das últimas semanas, entre elas a que soltou o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou sobre as que estão por vir. O mais ativo no ambiente virtual e responsável por estimular as milícias digitais, o vereador Carlos Bolsonaro (o Zero Dois do clã bolsonarista), apagou suas contas no Twitter, no Instagram e no Facebook na última terça-feira, 12 de novembro.
Em entrevista ao site O Antagonista, o presidente Bolsonaro chegou a dizer que tinha uma espécie de pacto
de não intromissão nos outros poderes. “O pacto é eu não interferir lá e
eles não interferem aqui. Se bem que de vez em quando eles interferem
no poder Executivo aqui, mas eu engulo o sapo”, afirmou o mandatário ao
ser questionado sobre um suposto acordão com o Judiciário e o
Legislativo.
A principal razão do silêncio do clã
bolsonarista é que um dos que estão envolvidos nesse caso do Coaf é o
ex-deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro tem uma investigação aberta contra o Zero Um para apurar se ele recebia dinheiro irregular
dos servidores de seu gabinete na Assembleia Legislativa, no esquema
batizado de “rachadinha”. Os crimes investigados são: malversação de
fundos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Essa
apuração está paralisada desde julho,
quando o presidente do STF, Dias Toffoli, acatou um pedido liminar
feito pelos defensores do senador alegando que os dados do Coaf usados
na investigação deveriam ser invalidados, por não terem sido obtidos
após uma decisão judicial.
E aí está um possível
contrassenso entre os anseios da rede bolsonarista e de seu principal
líder. O ministro Gilmar Mendes já se queixou publicamente das
investigações que envolvem o Coaf e, no mês passado, tomou uma decisão que beneficiou Flávio, reforçando a necessidade de se trancar a investigação que envolve o senador e seu antigo assessor Fabrício Queiroz,
o suposto organizador da “rachadinha”. A tendência é que Gilmar vote de
maneira a ajudar Flávio novamente. O clamor dos militantes por
derrubá-lo é por causa, principalmente, de suas manifestações críticas à
Operação Lava Jato
e por seu voto que ajudou a invalidar a prisão após condenação judicial
em segunda instância, o que acabou tirando Lula da cadeia após 580 dias preso em Curitiba.
O
julgamento do próximo dia 20 iniciará do zero. Nenhum dos 11 ministros
votou até o momento. O primeiro a fazê-lo será Toffoli, que é o relator
do processo. E, por já ter se manifestado favoravelmente ao senador
Flávio, a expectativa é que ele repita seu entendimento.
Mar de dados e veto da PGR
Semana passada, Toffoli deu mais um sinal de que deve seguir na mesma toada. Reportagens do jornal Folha de S. Paulo revelaram que o presidente do STF determinou
que o antigo Coaf e a Receita Federal fornecessem relatórios produzidos
pelos órgãos com os dados das movimentações de todos que foram alvos de
representação penal do fisco nos últimos três anos. O COAF forneceu uma
senha de acesso a um sistema que possui informações de 600.000 pessoas
físicas e jurídicas. E a Receita, prepara o envio dos documentos
que envolvem 6.000 cidadãos e empresas. Vazamentos de dados dos dois
órgãos mostram que entre as pessoas que teriam tido as contas
investigadas estão familiares de Dias Toffoli e de Gilmar Mendes.
A
decisão liminar do presidente do STF envolvendo órgãos como o COAF e a
Receita faz parte de uma onda de perseguição contra os servidores de
órgãos de dois dos principais organismos de controle do país, opinam
agentes do fisco ouvidos pela reportagem. No mês passado, outro ministro
do Supremo, Alexandre de Moraes, já havia impedido que o ministro Bruno
Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), tivesse acesso a dados
dos funcionários da Receita que estivessem envolvidos na fiscalização
das pessoas politicamente expostas.
Na sexta-feira, em meio ao feriado da proclamação da República, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou contrário à decisão de Toffoli
envolvendo a Receita e a UIF. Em um requerimento enviado ao Supremo,
Aras pediu que a Corte revogue a decisão do ministro por entender que
ela foi desproporcional, que ameaça o sistema de inteligência financeira
do país e que pode afetar o livre exercício de direitos fundamentais
dos mais de 600.000 alvos. Horas depois, Toffoli negou o pedido de Aras.
No
mês passado, o principal órgão internacional de prevenção à lavagem de
dinheiro, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o
Financiamento do Terrorismo (Gafi), emitiu uma nota na qual expressa
preocupações sobre a capacidade de se combater os delitos de colarinho
branco caso prevaleça a decisão de Toffoli envolvendo o COAF. “Esta
decisão provisória da Corte limita a habilidade das autoridades
brasileiras de usar a inteligência financeira em investigações
criminais, investigações de lavagem de dinheiro, de crimes financeiros,
assim como de corrupção", afirmou o presidente do Gafi, Xiangmin Liu.
conteúdo
Afonso Benites
Brasília
El País
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