Liderado pelo ministro Paulo Guedes, o Governo Jair Bolsonaro apresentou um ambicioso pacote econômico para reduzir o Estado, um verdadeiro choque nas contas públicas em todos os níveis na forma, inicialmente, de três propostas de emendas constitucionais (PECs)—que vão desde a redução de mais de 20% dos municípios do país que tem arrecadação deficitária até a criação de mecanismos acionados em caso de emergência fiscal, que preveem congelamento do reajuste real do salário mínimo por dois anos e redução de jornada e salário de servidores.
O nível de ambição da equipe do ministro ultraliberal de Bolsonaro encontrou, porém, derrapadas já no arranque, e se prevê um duro caminho pela frente para aprovar medidas que precisam de ampla maioria para mudar vários pontos da Constituição, tudo proposto por um Governo sem maioria parlamentar estável.
Em uma das três PECs entregues nesta terça-feira, consta que
os gastos com servidores inativos poderão ser usados para o cálculo
para atingir o piso constitucional de despesas com saúde e educação —na
prática, se aplicado, haveria uma considerável redução dos investimentos
nos setores de saúde e educação. Técnicos do ministério da Economia,
contudo, disseram que a versão que havia sido enviada ao Legislativo não
continha esse detalhe. Depois de informados por repórteres de que o
documento protocolado no Senado tinha, sim, essa medida, voltaram atrás.
“Vamos mudar o que lá está. O mundo não cai por isso”, minimizou o
secretário Especial da Fazenda, Waldery Rodrigues.
O
rápido recuo já reflete as críticas que o megapacote já sofria mesmo
antes de ser oficialmente protocolado. Os reparos partiram até de
líderes partidários que defendem a agenda econômica liberal da gestão
Bolsonaro. As mais contundentes vieram dos presidentes da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que
coordenaram, de fato, a aprovação da reforma da Previdência,
e estão no comando do ritmo no Legislativo. Disse Maia: "A gente vai
ter muita dificuldade. Incluir inativo dentro da despesa social é um
risco muito grande de reduzir o percentual de gasto na área social". "Em
um país que tem quase 12 milhões de desempregados, que tem 10 milhões vivendo abaixo da extrema pobreza,
não parece um caminho no curto prazo adequado”, seguiu Maia. Alcolumbre
foi menos enfático, mas concordou com seu correligionário. “Colocar
inativos para dentro, é verdade, você acaba tirando recursos que
poderiam ser usados nas áreas mais carentes de educação e saúde”.
União de limites
Pela
legislação, a União tem de gastar ao menos 15% de sua receita corrente
líquida com saúde e 18% da receita de impostos com educação. Na atual
conta, só estão incluídos nessa rubrica os salários dos funcionários da
ativa. Ainda que prometa agora retirar os inativos da conta, Guedes
pretende mudar a regra atual. Uma das propostas é unificar os gastos nas
duas áreas. Ou seja, ao invés de o gestor ter de delimitar uma parte
pré-determinada de seu orçamento em saúde e outra em educação, ele
poderia somar essas duas despesas e definir a maneira como gostaria de
investir esses recursos. Um exemplo dado pelo Governo Bolsonaro é o de
prefeituras de municípios que passaram a registrar uma queda na taxa de
natalidade e um aumento da longevidade. São cidades que têm hoje menos
crianças, portanto não precisam mais investir tanto em ensino
fundamental, e mais idosos, o que implicaria em um aumento dos gastos na
área de saúde. “Haverá ganhos de liberdade para o gestor”, afirmou o
secretário Rodrigues.
Desde 2016, na gestão Michel Temer (MDB),
o Governo federal tenta alterar o piso constitucional que deve ser
gasto com saúde e educação. Naquele tempo, a tentativa veio por meio da
PEC do Teto de Gastos. Diante da repercussão negativa, a União retirou a
sugestão do texto que acabou aprovado pelo Parlamento. Parte da equipe
econômica de Temer que elaborou o teto de gastos seguiu na gestão
Bolsonaro e, de fato, todas as medidas propostas por Guedes são
justamente para "sustentar" a regra do teto de Temer, que ameaça
paralisar a máquina pública num contexto de lenta recuperação econômica.
"Embora essencial para o ajuste estrutural, a reforma da Previdência
não irá impedir o crescimento das despesas obrigatórias até meados da
próxima década. Desta forma, este período de transição requer a adoção
de medidas adicionais transitórias, para sustentar o Teto de Gastos,
assegurar os ganhos advindos com a queda dos juros e da inflação e, como
consequência, dissipar incertezas ainda remanescentes quanto à sua
viabilidade", diz o texto enviado ao Senado para justificar o
megapacote.
"Tem filiação partidária? Não é servidor
público. Não vou dar estabilidade para militante. É como nas Forças
Armadas: é servidor do Estado", prometeu Guedes, que fez uma longa
exposição para descrever seu pacote de medidas. Atualmente, não há
nenhum veto de que servidores civis sejam filiados a partidos políticos e
a proposta foi criticada por oposicionistas e especialistas.
Menos municípios e mais projetos
Ainda
nessa PEC o Governo tentará reduzir em 22% o número dos municípios
brasileiros no ano de 2026. A proposta é que todas as cidades com menos
de 5.000 habitantes e que a arrecadação própria seja inferior a 10% da
sua receita total deverá ser incorporado a uma outra cidade —uma
proposta especialmente impopular às vésperas de eleições municipais. Em
caso de aprovação, implicaria na extinção de até 1.254 das 5.565
cidades. A proposição também pretende restringir a criação de novos
municípios e, consecutivamente, impedir que a máquina pública tenha mais
gastos com prefeituras, câmaras municipais e, principalmente,
servidores.
“Quem deve decidir se municípios devem ter
5.000, 3.000 ou 10.000 habitantes? Eu ou o Congresso Nacional? Isso vai
estimular o debate e eles [parlamentares] têm total capacidade de
decisão”, afirmo o ministro Guedes. Essa mesma PEC ainda trata da
transferência voluntária de royalties a Estados e municípios e cria o Conselho Fiscal da República, um órgão que analisará as contas públicas a cada três meses.
Ao
todo, o Governo prometeu registrar seis PECs e um projeto de lei dentro
do Plano Mais Brasil, que é um pacote de reformas liberais. Nesta
terça-feira, protocolou três propostas. As outras duas são a PEC
Emergencial e a dos Fundos Infraconstitucionais. A primeira trata de
impor gatilhos para os gastos públicos de Estados e Municípios
endividados. A segunda será um estudo para avaliar quantos dos 281
fundos da União devem ser extintos e quantos devem ser mantidos. Ainda
falta enviar a reforma administrativa, que também prevê profunda mudança para servidores públicos, a nova lei de privatizações e a reforma tributária, o que deve ocorrer entre esta semana e a outra.
“Esse
pacote não saiu da cachola de um economista. Saiu de várias conversas
ao longo de dez meses”, afirmou Paulo Guedes. A gestão Bolsonaro espera
aprovar a maioria dos projetos até meados de 2020, mas parlamentares já
apontam problemas e trabalham com o prazo de dezembro, apesar de o ano
que vem ter eleições municipais, que sempre afetam a tramitação no
Legislativo.
Analistas e investidores do mercado
financeiro viram as medidas anunciadas nesta terça-feira como positivas,
mas também estão céticos quanto a possibilidade delas serem aprovadas
em curto prazo. Na avaliação da XP Investimentos, o plano de Guedes
ataca os principais problemas fiscais enfrentados pelo Brasil, mas traz
poucos detalhes sobre a economia gerada por cada projeto e tampouco
detalha pontos técnicos.
Na visão da corretora, a
estratégia de levar ao Congresso, ao mesmo tempo, 3 PECs bastante
abrangentes pode tornar "o ambiente mais incerto e aumentar o risco das
negociações se contaminarem". "Além disso, a disputa por protagonismo
travada por Câmara e Senado por uma pauta tão abrangente provavelmente
aparecerá como um entrave à aprovação dessas PECs", avaliou a XP.
conteúdo
Afonso Benites
Brasília
El País
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