O presidente Jair Bolsonaro tenta recalcular a rota de ação contra o coronavírus, uma crise sanitária e econômica que se projeta como sem precedentes e o expôs, pela primeira vez, a uma bateria de panelaços como sinal de descontentamento. Ao anunciar uma série de medidas sanitárias e econômicas para enfrentar a disseminação da Covid-19, o presidente mudou sua conduta e disse que sempre se preocupou com o avanço da doença, que chamava de “fantasia”. Também endossou um pacote econômico para proteger uma fatia da população até então ignorada nas medidas de ajuda: os 38 milhões de trabalhadores informais, ainda que também tenha proposto que empregadores possam reduzir salários durante a emergência.
“Como chefe do Executivo, o líder maior da nação brasileira,
tenho de estar na frente, junto com meu povo. Não se surpreenda se você
me vir nos próximos dias entrando num metrô lotado em São Paulo,
entrando numa barcaça na travessia Rio-Niterói em horário de pico ou
dentro de um ônibus em Belo Horizonte. Isso longe de demagogia ou
populismo. É uma demonstração que estou ao lado do povo”, provocou,
respondendo a jornalistas, durante uma entrevista coletiva.
Foi
a primeira vez, desde o início da crise, que Bolsonaro surgiu com os
ministros para falar da pandemia. Apesar da mudança de tom, seguiu ainda
distante das declarações mais contundente de outros chefes de Estado da região e do mundo.
Sem exceção, os líderes tem feito coro nos chamados enérgicos para que
os cidadãos sigam regras de distanciamento social para tentar
desacelarar o ritmo de contágios.
Nesta quarta-feira,
após um domingo em que encorajou protestos contra representantes dos
outros poderes, Bolsonaro elogiou a dedicação de todos eles em ao menos
quatro ocasiões em uma entrevista coletiva à tarde e em um
pronunciamento à noite. “A nossa união e nosso entendimento dará o ritmo
e o Norte que o nosso Brasil precisa”, afirmou o presidente.
Corte de salário e ‘coronavoucher’
A
alteração do tom de Bolsonaro tem duas razões. A primeira é técnica.
Apesar de seguir chamando a doença de histeria, ele foi orientado pelo
ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a dar melhores exemplos.
Mandetta apresentou a ele simulações de como o Brasil poderia estar caso
aglomerações fossem mantidas e a propagação do vírus fosse célere. O
presidente, entendeu, então, que os sistemas público e privado de saúde
não conseguiriam atender simultaneamente todos os doentes caso houvesse
um número alto de infectados. Na apresentação aos jornalistas, o
ministro comparou a Covid-19 a uma montanha a ser escalada. Ela poderia
ser como um Everest, que é íngreme e alto, e que poucos conseguiria
escalá-la, ou como um morro mais longo em que a subida não é tão difícil
e a estabilidade em cima é maior.
A outra razão para a
mudança de postura foram as reações contra o presidente. Seu
comportamento no domingo gerou os dois primeiros pedidos formais de
impeachment apresentado na Câmara e, nas redes sociais, a convocação de um panelaço
contra o Governo para a noite desta quarta-feira —foi o segundo
consecutivo. O momento é tão negativo para ele que o próprio Bolsonaro
convocou uma manifestação a seu favor meia hora após a primeira, mas sem
o mesmo êxito. É uma tentativa de moldar sua narrativa e incentivar o
conflito no ambiente virtual, onde costuma se mover bem.
Entre
as medidas anunciadas pelo Governo, estão o envio de uma medida
provisória que prevê como medida de manutenção dos empregos uma
autorização para patrões reduzirem o salário e as jornadas de seus
funcionários em até 50%. O vencimento não pode ser inferior a um salário
mínimo, que é de 1.045 reais. E há a necessidade de ser firmado um
acordo entre patrões e empregados.
Nesse pacote de
tentativa de frear o desemprego, já que a economia sofrerá um baque com
as reclusões e isolamentos pelas cidades, também estão previstas medidas
que simplifiquem o teletrabalho, a decretação de férias coletivas, a
antecipação de férias individuais e o adiamento do recolhimento do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço.
Haverá também as
medidas emergenciais, como o pagamento de um voucher de 200 reais por
mês para os trabalhadores autônomos —o que foi batizado de coronavoucher—, a inclusão de mais de um milhão de pessoas no Bolsa Família,
a transferência de recursos para serem sacados pela população via FGTS,
e antecipação de parcelas do 13º salário de aposentados e pensionistas,
assim como do abono salarial. Ao todo, haverá um investimento público
de 150 bilhões de reais.
Tudo ainda depende da aprovação
do Congresso Nacional, que iniciou nesta quarta-feira a votação do
decreto de calamidade pública, que permite ao Governo modificar seu
orçamento, acima dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, com objetivo de combater a doença. O texto foi aprovado na
Câmara e deve ser apreciado nesta quinta no Senado.
O Governo também anunciou que planeja fechar fronteiras na América do Sul. Ainda não há uma decisão final sobre esse tema. A primeira em que já houve o fechamento foi com a Venezuela, em Pacaraima. Nesse caso, o argumento é que o sistema de saúde no país governado por Nicolás Maduro está em colapso.
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Afonso Benites
El País
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