Enquanto o Brasil já soma 11.519 mortes em 168.331 casos de coronavírus e vários Estados veem seus sistemas de saúde entrarem em colapso, o Ministério da Saúde apresentou nesta segunda-feira uma nova diretriz para orientar a flexibilização do isolamento social, mesmo sob a rejeição de gestores estaduais e municipais. “É inoportuno falar de flexibilização quando vemos aumentar a cada dia o número de mortos e de casos, e de pessoas adoecendo gravemente. Estamos subindo ainda a montanha da epidemia”, afirma o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde (Conass), Alberto Beltrame. Os primeiros pontos do plano foi anunciado pelo ministro Nelson Teich no mesmo dia em que o presidente Bolsonaro decidiu considerar salões de beleza e academias como serviços essenciais.
Embora a normativa não seja obrigatória, ela põe mais fogo na pressão política contra o distanciamento rígido que vem sendo implementado em alguns Estados para desacelerar o contágio do vírus. E também evidencia as arestas entre o Governo Federal e os secretários da saúde, que dividem a gestão do SUS em meio a uma das maiores crises sanitárias do século.
“Estamos em plena crise sanitária,
com dificuldade de abrir mais leitos de UTI, de internação, de
assistência ambulatorial. Nós entendemos como um desserviço lançar uma
mensagem dúbia neste momento. O momento é de socorrer vítimas,
não de falar em flexibilizar isolamento”, afirma Beltrame. Gestores
municipais e estaduais da saúde haviam pedido uma posição do Ministério
sobre o distanciamento social. Buscavam uma unidade no discurso para
estimular as pessoas a ficarem em casa e aumentar o distanciamento
social, medida apontada por especialistas como fundamentais para reduzir
os contágios quando hospitais estão lotados e ainda não há vacina nem
medicamento para curar a covid-19.
A justificativa do ministro Nelson Teich
é de que o Brasil é um país continental e que a epidemia está numa fase
diferente em cada região, de maneira que não impõe uma política
nacional de relaxamento do isolamento social, mas aponta uma estratégia
para que os gestores avaliem os riscos e definam o nível de isolamento
mais adequado. No entanto, gestores afirmam que lançá-la agora significa
reforçar uma mensagem dúbia e confundir as pessoas sobre a orientação
nacional, já que os próprios Estados já vinham adotando suas medidas
conforme suas realidades —sem falar que, sob Luiz Henrique Mandetta, já
havia uma diretriz sobre isolamento.
O ministro disse ter se reunido com secretários estaduais da Saúde no sábado e que a demanda de uma diretriz nacional sobre o isolamento
teria partido deles. “Fui surpreendido hoje [que não há um consenso ].
Na semana passada, havia uma cobrança para o Ministério da Saúde se
pronunciar. E hoje foi colocado que o posicionamento traria incerteza e
problema”, disse o ministro, durante entrevista coletiva. Teich disse
que só dará maiores detalhes sobre a diretriz do isolamento social após
conversar novamente com os gestores e que tem interesse em manter o
diálogo com eles. Sobre a inclusão de salões de beleza e academias como
atividades essenciais por Bolsonaro, o ministro foi surpreendido com a
notícia durante a coletiva e se limitou a dizer que esta é uma decisão
do Ministério da Economia e do presidente. “A gente ajuda desenhando uma
forma de acontecer defendendo as pessoas”, declarou.
O plano do ministério envolve vários níveis, desde um isolamento mais brando até o distanciamento mais duro (ou lockdown)
e cria um sistema de pontos para avaliar os riscos. O gestor teria que
responder um questionário com informações que vão desde a incidência de
casos e mortes pelo coronavírus até a capacidade instalada para
assistência (como hospitais, profissionais em atuação, profissionais
afastados, número de leitos e suas taxas de ocupação). Também consideram informações sobre mobilidade urbana e a capacidade de ter todos esses dados atualizados em tempo real.
“Cada
região vai ter uma abordagem diferente”, explica o ministro. “Para cada
região, a gente vai definir qual é o risco e qual é a política. Como
ressaltei, essa decisão cabe aos Estados e municípios. É uma ferramenta
que o gestor vai dispor para tomar sua decisão”, diz o ministro, que
defende que uma revisão sobre as medidas precisam ser feitas
frequentemente. O problema é que, na ponta, gestores sequer querem
discutir essa abertura de forma nacional agora, quando a curva de
contágio ainda está numa crescente e os sistemas de saúde colapsam.
Beltrame diz que os técnicos dos conselhos nacionais de secretários
municipais e estaduais de saúde participaram da elaboração da
ferramenta, mas que a maior demanda neste momento é de conseguir
expandir o SUS para salvar vidas.
“É uma matriz complexa
de preencher. O momento não é de preencher planilhas, mas de tentar ser
útil. Continuamos com as mesmas deficiências de sempre, e o ministério
não tem mandado os equipamentos todos que precisamos. Então me parece
inadequado falar em relaxamento. Seguimos em um momento de cautela, de
intensificar cuidados com as pessoas e de mandar uma mensagem clara
sobre o isolamento social”, defende Beltrame. O presidente do Conass diz
que o Brasil têm dificuldades de projetar quanto poderá encarar o pico
da epidemia, que segundo ele pode vir no final de maio.
Também
nesta semana, o secretário executivo do Ministério da Saúde, general
Eduardo Pazuello, apresentou um balanço nesta segunda-feira dos milhares
de equipamentos de proteção individual, leitos de UTI habilitados e
distribuição de respiradores para enfrentar a pandemia. Ainda assim,
gestores afirmam que a capacidade de expansão é lenta diante da alta
demanda pela propagação da doença.
Beltrame cita como exemplo a previsão de entrega de 14.000 respiradores
por quatro empresas nacionais num cronograma que considera 180 entregas
por semana. “É uma conta simples: 14.000 dividido por 200 dá 70
semanas. Isso é insuficiente pra demanda que temos agora”, diz.
Pazuelo afirmou durante entrevista coletiva que as empresas
vêm aumentando suas capacidades de entrega e que, até o fim de maio,
2.600 respiradores devem ser entregues. Também disse que novos negócios
estão sendo fechados com mais cinco empresas nacionais para ampliar a
capacidade de produção e que representantes do Governo estão indo a
países produtores de insumos médicos para agilizar as compras de insumos
no exterior, sem atravessadores. “Estamos acompanhando empresa por
empresa. Não perdemos tempo algum entre ser produzido e ser entregue”,
pontuou, nomeando a situação brasileira como “extrema”.
Falta diálogo entre ministro e gestores da saúde
Na ponta, secretários da Saúde estão descontentes com a liderança nacional em meio à pandemia. Há semanas, eles vinham pedindo mais diálogo com Teich,
depois de terem sido até barrados na posse do ministro. Os gestores
dizem que o Ministério da Saúde está distante dos gestores locais e que,
embora haja reuniões com a alta cúpula da pasta, eles não participam
efetivamente das decisões. Ainda esperam que o sistema tripartite de
gestão do SUS seja retomado. Beltrame diz que Teich tem se mostrado
“afável e gentil”, mas que os secretários da saúde não são ouvidos na
tomada de decisões.
“Em 30 anos, tivemos vários embates.
Sempre construímos consensos. A melhor forma de enfrentar a grave crise
de saúde que estamos vivendo é diálogo e construção de consensos. Não
somos subalternos nesse processo”, defendeu, argumentando que Estados e
municípios gerenciam hoje 98% das redes de serviços públicos de saúde e
não podem ficar fora da tomada de decisões em meio à crise. “Há
interlocução, mas o que a gente discute não tem acontecido na prática.
Nós estamos vivendo um momento em que o ministro não tem pleno domínio
do que é o SUS, e isso cria dificuldades adicionais. Ele é muito afável e
gentil, mas as coisas têm fluido muito lentamente", emenda.
conteúdo
Beatriz Jucá
El País
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